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A internet no artigo 5º da Constituição

Tramita na Câmara dos Deputados a PEC 185/15, que torna o serviço um direito fundamental dos brasileiros. O tema, porém, não é unanimidade em Brasília

O acesso universal à internet poderá integrar a lista dos direitos fundamentais previstos na Constituição brasileira. O tema é debatido na Câmara Federal. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) - de autoria da deputada Renata Abreu (Pode/SP) - foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ). A PEC, que não é unanimidade em Brasília, ainda precisará passar por Comissão Especial a ser criada, para só depois ir a plenário e ser votada em dois turnos.

Em Pelotas, dados recentes do Instituto Pesquisas de Opinião (IPO) revelam: apenas 3,3% da população, acima dos 16 anos de idade, não possui acesso à internet. Um salto positivo se comparado a estudos realizados em agosto de 2015, quando o índice de quem ficava de fora da rede mundial era de 12%. Um crescimento que também se aplica quando entra em pauta a participação em redes sociais: oito em cada dez pelotenses utilizam essas ferramentas virtuais, com larga preferência para Facebook e WhatsApp.

É um comportamento que se espalha por todas as faixas etárias e níveis socioeconômicos. A lógica, entretanto, é a mesma registrada em todo o território gaúcho - demonstra outro levantamento do IPO. Quanto mais jovens e mais altos os níveis de escolaridade e de renda, maior a participação nas redes sociais - confira os dados:

Entre os princípios da democracia e as demandas reais
A PEC 185/15 remete ao artigo 5º da Constituição Federal, dedicado aos direitos e garantias fundamentais. O acesso universal à internet assegurado a todos seria o inciso 79. É a proposta em discussão. E o tema, realmente, suscita debate. 

A socióloga e diretora do IPO, Elis Radmann, lembra: o acesso à informação é um dos princípios da democracia e já está, inclusive, previsto no mesmo artigo 5º. Refletir sobre a necessidade de essa premissa ser respeitada de forma irrestrita, também através do mundo virtual - que permite uma postura ativa do cidadão, com espaço para se posicionar e mudar até o rumo de debates que ganham o país e o mundo - é importante.

Outros dois contrapontos não podem ficar fora da análise; defende a mestre em Ciência Política. Um deles aponta à série de demandas sociais e reais reprimidas no país, à espera de cumprimento pelo Poder Público.

O outro se refere à capacidade de discernimento para lidar com o universo virtual, que dê ao cidadão a condição de se proteger de crimes e ir em busca de informações confiáveis e longe de armadilhas, como os perfis fakes.

E, para resumir a posição sobre a PEC apresentada pela parlamentar Renata Abreu, Elis Radmann afirma: "Ainda não temos maturidade social para isso".

Acesso público
A professora do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Raquel Recuero, destaca: o acesso à internet vai muito além das possibilidades de entretenimento. E, justamente, por isso deve ser público.

Ao mergulhar na rede mundial, o internauta recebe nas mãos mais um instrumento para exercer a própria cidadania - enfatiza a doutora em Comunicação e Informação. O desempenho de políticos pode - e deve - ser acompanhado; ainda que muitos portais de transparência sejam marcados por falta de clareza e de objetividade. Direitos podem ser exigidos com mais agilidade. Um universo de informações se abre, à espera de exploração. Para isso é essencial saber onde buscá-las.

"As pessoas devem fazer um esforço consciente para buscar as informações em fontes oficiais confiáveis", ressalta. E faz a ressalva de que mais do que correr na frente para dar o furo, com notícias em primeira mão, o fundamental é preocupar-se em aprofundar os fatos. Checar. Filtrar. Antes de, simplesmente, reproduzi-los.

Um cuidado que não deveria ser adotado apenas pelos veículos de Comunicação. O próprio cidadão deveria ser mais cauteloso para não embarcar em inverdades.

Redundância ou reafirmação?
A reflexão é levantada pelo professor de Direito Constitucional da Universidade Católica de Pelotas (UCPel), Samuel Chapper. Instituir o acesso universal à internet entre os direitos fundamentais pode ser aparentemente positivo em tempos de supressão de conquistas históricas, mas também pode ser interpretado como redundância. 

"O direito à informação, já previsto no artigo 5º da Constituição, pode ser exercido por diferentes tipos de ferramentas, não necessariamente através da internet", lembra o professor. E vai além: a proposta levantada em Brasília poderia ser contemplada através de emenda ao artigo 220, destinado à Comunicação Social - sugere.

E para contextualizar, Samuel Chapper recorre às diferentes gerações de direitos que cruzam a história, desde os séculos 16, 17, quando os indivíduos passam a ser reconhecidos como sujeitos de direito, até os dias atuais. Uma escalada que abriu a discussão sobre direitos sociais, chegou aos direitos difusos e a preocupação com a coletividade através de bandeiras como o meio ambiente e a paz mundial até a reflexão de temas que apontam ao futuro, como a Engenharia Genética.

O que já diz a Constituição Federal

- Dos direitos e garantias fundamentais
Artigo 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)

Inciso 14 - É assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;

- Da Comunicação Social
Artigo 220 - A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição (...)

O que diz a PEC 185/15
O argumento da deputada Renata Abreu para criar a PEC está expresso em 57 linhas. Confira um dos principais trechos:

... O catálogo de direitos fundamentais é a expressão de um sistema de valores que encontra seu ponto central na personalidade humana desenvolvendo-se livremente dentro da comunidade social e na sua dignidade. A liberdade de expressão e o direito à informação são também direitos assegurados constitucionalmente, e que estão intrinsicamente ligados à dignidade da pessoa humana em um Estado Democrático de Direito.

Muitos dos direitos dos cidadãos, tais como educação, informação, remuneração digna, trabalho, estão cada vez mais dependentes das tecnologias de informação e comunicação. Não podemos permitir que parte significativa de nossa população seja tolhida destes direitos, pois a ausência de internet diminui as possibilidades de profissionalização, reduz as oportunidades educacionais, sociais dos cidadãos que não têm acesso ao ambiente virtual, comprometendo o futuro como nação...

Posição contrária - A proposta, que teve parecer aprovado pela CCJ, recebeu votos contrários de sete deputados: Maria do Rosário e Luiz Couto, ambos do PT; Pedro Cunha Lima, Betinho Gomes e Elizeu Dionizio, do PSDB; José Carlos Aleluia (DEM) e Bilac Pinto (PR).

Entre os argumentos dos parlamentares para se manifestar contra PEC está o fato de o acesso universal à internet aparecer entre os direitos fundamentais. Um dos entendimentos é de que a proposta poderia estar entre os direitos sociais, como educação, moradia e transporte.

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